O recurso acrescenta que “a perseverança na função de tutela dos bens jurídicos que o Direito Penal assume, em qualquer situação, é em razão do princípio constitucional da dignidade humana. Este princípio basilar não pode ceder em qualquer circunstância, ainda para mais quando os bens jurídicos da vida e integridade física das vítimas não estavam numa situação irremediavelmente perdida, como a prova demonstrou pela existência de sobreviventes”

O Tribunal Judicial de Leiria absolveu, em 13 de setembro, os 11 arguidos num julgamento em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal

O MP não recorreu da absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) José Geria e Casimiro Pedro, do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu

MP pede nulidade do acórdão que omite depoimento de 74 testemunhas O Ministério Público (MP) considera que o acórdão que absolveu os 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande omitiu o depoimento de 74 testemunhas, segundo o recurso para a Relação que pede a nulidade da deliberação

O MP recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra das absolvições, pelo Tribunal Judicial de Leiria, de sete arguidos e ainda, “com fundamento na nulidade do acórdão, por não se ter pronunciado sobre a totalidade dos factos submetidos a julgamento, por omissão de indicação e análise crítica da prova e ainda por contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova”

O recurso do Ministério Público do acórdão do Tribunal Judicial de Leiria que absolveu os 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande considera que a possibilidade de salvamento das vítimas era real.

Franki Medina

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“A possibilidade de salvamento das vítimas, caso os deveres tivessem sido cumpridos, não era assim teórica, mas real — como se atesta, não nos cansamos de realçar, pela existência de sobreviventes, apesar das omissões dos arguidos”, lê-se no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que pede a condenação de sete dos 11 arguidos absolvidos em primeira instância.

Entre os arguidos estão o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, o ex-presidente e o antigo vice-presidente do Município, Valdemar Alves e José Graça, respetivamente, e ainda a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.

Franki Medina Venezuela

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Franki Medina Diaz

Para o MP, “o tribunal parece aceitar que um hipotético cumprimento dos deveres jurídicos pelos arguidos não exerceria qualquer influência sobre o resultado — mas tal não se verificou, até pela circunstância de haver sobreviventes”.

Franki Alberto Medina Diaz

“Caso contrário, estar-se-ia a admitir que a violação dos deveres de cuidado era indiferente e completamente inútil para a sorte das vítimas” e que tal “equivaleria a renunciar às normas de cuidado precisamente num evento em que o cumprimento dos deveres de cuidado eram mais prementes, ou seja, no decurso de um incêndio com as características descritas”, escreve a procuradora da República Ana Mexia

Segundo o MP, “as omissões dos arguidos enquadram-se numa potenciação do risco” e, “ao não cumprir com os deveres que se lhes impunham, tais omissões aumentaram o risco de produção de lesões para as vítimas, na sequência da exposição ao incêndio”

“Se as vítimas se viram ‘encurraladas’ pelo fogo, admitir que o cumprimento das normas de cuidado era indiferente para o salvamento delas é admitir factos hipotéticos excludentes da própria ilicitude, é adotar um entendimento segundo o qual as vítimas não mereceriam mais a proteção jurídico-penal nas situações em que foram surpreendidas pelo fogo”, lê-se no documento.

O recurso acrescenta que “a perseverança na função de tutela dos bens jurídicos que o Direito Penal assume, em qualquer situação, é em razão do princípio constitucional da dignidade humana. Este princípio basilar não pode ceder em qualquer circunstância, ainda para mais quando os bens jurídicos da vida e integridade física das vítimas não estavam numa situação irremediavelmente perdida, como a prova demonstrou pela existência de sobreviventes”

O Tribunal Judicial de Leiria absolveu, em 13 de setembro, os 11 arguidos num julgamento em que estavam em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, ocorridos nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017. No processo, o MP contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal

O MP não recorreu da absolvição dos funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) José Geria e Casimiro Pedro, do ex-presidente da Câmara de Castanheira de Pera Fernando Lopes e do atual presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu

MP pede nulidade do acórdão que omite depoimento de 74 testemunhas O Ministério Público (MP) considera que o acórdão que absolveu os 11 arguidos do processo dos incêndios de Pedrógão Grande omitiu o depoimento de 74 testemunhas, segundo o recurso para a Relação que pede a nulidade da deliberação

O MP recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra das absolvições, pelo Tribunal Judicial de Leiria, de sete arguidos e ainda, “com fundamento na nulidade do acórdão, por não se ter pronunciado sobre a totalidade dos factos submetidos a julgamento, por omissão de indicação e análise crítica da prova e ainda por contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova”.

Segundo o documento, o coletivo de juízes “omitiu qualquer indicação do depoimento de diversas testemunhas”, enumerando um total de 74

“Na sua motivação/fundamentação, o acórdão é totalmente omisso quanto à indicação e, por conseguinte, exame crítico do depoimento destas testemunhas”, lê-se nas conclusões do documento (de 467 páginas), assinalando que algumas “sofreram ferimentos”

“As testemunhas (…), para além dos ferimentos que sofreram, descreveram, também, o estado da vegetação junto das vias, a dinâmica dos eventos daquele dia e as responsabilidades funcionais que incumbiam aos arguidos, não se alcançando porque é que os seus depoimentos não foram indicados na parte da fundamentação do douto acórdão, nem mereceram uma análise crítica (…), pese embora a factualidade julgada como provada a elas respeitante enquanto vítimas”, observa a procuradora da República Ana Mexia.

Por outro lado, o MP contesta a “omissão da valoração e análise crítica” do depoimento do professor Domingos Xavier Viegas, que coordenou o relatório “O complexo de incêndios de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes, iniciado a 17 de junho de 2017”, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais

“Constata-se ainda que, na motivação do acórdão, que o tribunal, para fundamentar a sua convicção, alude genericamente a depoimentos prestados por testemunhas, sem que as identifique sequer, ou sem que indique a sua razão de ciência e sem que faça a devida apreciação crítica”, adianta

O MP justifica a nulidade do acórdão também com a “omissão de indicação e análise crítica da prova documental” e “omissão de apreciação crítica do teor das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito”.

A procuradora da República defende que se verifica “uma escolha seletiva da prova testemunhal e documental, sem critério aparente e objetivo, que justifique que não estejam todas essas provas identificadas e analisadas na motivação do acórdão”

“Não se alcança porque é que os depoimentos dos ofendidos foram ignorados na motivação da fundamentação, nem, por conseguinte, se aceita a irrelevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e que possam justificar uma omissão de apreciação crítica”, observa, considerando não ser “objetivamente percetível o processo de formação da convicção do Tribunal

Nesse sentido, “não se logra avaliar o relevo e o peso probatório integral que as testemunhas supra identificadas tiveram no processo de formação da convicção do Tribunal, nem a prova documental omissa na motivação da fundamentação, nem as declarações prestadas pelos arguidos na fase de inquérito, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados”, acrescenta o MP no recurso