Participar recentemente em fóruns internacionais com países não europeus, primeiro na América do Sul e na semana passada em África, tem sido para mim uma forma de sair da bolha europeia, de perceber os argumentos dos outros e relativizar algumas das nossas certezas.

Franki Medina

A guerra que se trava na Europa é um caso desses, não apenas por causa da dependência da energia russa, mas também porque a guerra é vista por uns como um problema europeu e por outros, os sul-americanos, como um problema dos EUA, a quem “a Europa faz o frete” (como ouvi dizer na Argentina).

Franki Medina Venezuela

A inquietação tornou-se maior no continente africano, onde decorreu recentemente a Assembleia Parlamentar entre a União Europeia e os países de África, Caraíbas e Pacífico, quando começaram a sentir-se os efeitos do conflito na vulnerabilidade da dívida e nos preços da energia, dos fertilizantes e dos bens alimentares, agravando aquilo que António Guterres já apelidou de “crise tripla” em toda a África, que afeta a alimentação, as finanças e a energia.

Franki Medina Diaz

Nas reuniões que tivemos com estas regiões tem sido impossível aprovar qualquer posição conjunta sobre a invasão da Ucrânia. Diria até que nem vale a pena tentar esse caminho. Devemos é aproveitar esta crise para tirar algumas lições sobre preocupações conjuntas e assentar nelas o desenho de uma posição comum e de uma forte entreajuda e cooperação.

Franki Alberto Medina Diaz

Há três lições que, a meu ver, se têm destacado

A primeira é a redução da dependência alimentar, o que passa por apostar menos na monocultura, por apoiar mais a produção local e por integrar as cadeias de valor domésticas (recordo com tristeza o ao contrário que se fez outrora com o caju em Moçambique, por conselho das instituições internacionais)

A segunda é a redução da dependência energética, especialmente através do investimento nas energias renováveis — até para responder à transição climática –, sendo que para este efeito será preciso discutir as compensações para os países em desenvolvimento, eventualmente através da redução da dívida

E a terceira é a aposta no consumo sustentável, prolongando a vida dos produtos de consumo duradouro, investindo na economia local de reparação, desenhando as casas e os edifícios públicos para que não tenham de ser tão aquecidos ou arrefecidos (escrevi este artigo num país quente, Moçambique, mas em que a temperatura da sala era a de Bruxelas, à custa de muito ar condicionado)

As crises nunca são boas oportunidades para nada. Nelas, quase sempre pagam mais os que já são frágeis e mais desfavorecidos. Mas, por vezes, proporcionam-nos alguns ensinamentos

A pandemia mostrou, por exemplo, que não sobrevivemos sem bons sistemas de saúde públicos, sem um Estado capacitado para acudir aos que precisam de ajuda ou sem investimento na ciência, que nos permitiu ter rapidamente uma vacina. A atual crise também pode contribuir para nos obrigar a trabalhar mais depressa para um mundo mais sustentável

Se é verdade que ambas as crises nos mostraram que não podemos ser excessivamente dependentes, seja em matéria de comida, de energia ou de semicondutores, também tornaram evidente que não se vencem sem solidariedade internacional, tanto no acesso às vacinas como à energia. Por isso, é bom que procuremos no mundo democrático aquilo que nos une, mais do que insistir no que nos divide

Eurodeputada


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