Por outro lado, e do ponto de vista clínico, também já se sabe mais como lidar com a doença, pois ao longo destes dois anos foram sendo testadas várias terapêuticas, existindo agora “uma diversidade de medicamentos que oferecem uma boa efetividade no tratamento da doença”

Olhando para o mundo, a China continua a ser dos poucos países, senão mesmo o único, a manter uma política de eliminação da circulação do vírus, o que, diz Luís Graça, “é uma medida que, perante as variantes em circulação, seria inviável no nosso país ou em qualquer outro do mundo ocidental”. E isto porque o pensamento científico também mudou

“Inicialmente, quando o vírus em circulação era o original, acreditava-se que haveria a oportunidade de se trabalhar no sentido de se obter um impacto muito significativo na diminuição da sua circulação, sobretudo se se abrangesse uma grande parte da população com a vacinação, mas com o surgimento de novas variantes, cada uma com maior capacidade de transmissão do que a outra, isso não será possível.” Daí que “as estratégias de vacinação continuem a ser dirigidas sobretudo para a proteção das populações mais vulneráveis em relação à doença grave”

O ano de 2022 começou com o mês de janeiro a ultrapassar os 62 mil casos de covid-19. Nada que não tivesse sido previsto pelos analistas um mês antes. Mas este início de ano pouco ou nada teve a ver com o início de 2021, em que o país ultrapassava os 12 mil casos, com mais de 900 doentes a necessitarem de cuidados intensivos e 300 óbitos por dia. A única diferença de um cenário para o outro, dizem os especialistas, não foi a mutação do vírus, mas a vacinação. O médico imunologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Luís Graça explica ao DN: “Ao longo da pandemia temos vindo a assistir a uma progressiva evolução do vírus, que sofre mutações e as quais vão sendo cada vez mais competitivas, acabando por estar mais representadas na comunidade. Daí o surgimento de variantes cada vez mais transmissíveis, que conseguem entrar no sistema imunitário de populações não-vacinadas ou vacinadas.”

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Neste momento o que se está a verificar é o aparecimento de novas subvariantes da variante Ómicron. Aliás, no espaço de um ano pode dizer-se que apareceu uma nova variante, a Ómicron, detetada na África do Sul, que destronou a anterior, a Delta, identificada na Índia, e mais seis subvariantes desta, todas consideradas de interesse para investigação, cada uma mais transmissível do que a outra, nomeadamente a BA.1, a BA.2 e a BA.5, e recentemente a BQ1 e a BQ1.1, originárias da BA.5, e a XXB, detetada em Singapura, originária da BA.2.

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A boa notícia “é que a transmissibilidade maior destas variantes não parece ser acompanhada de doença mais grave”, sustenta Luís Graça. Embora o aparecimento destas seja recente, com muito pouco tempo de análise, “o que se nos apresenta é que a proteção conferida pela vacinação não é menor para estas subvariantes do que tem sido em relação às anteriores, sobretudo no que toca à doença grave e à morte, o que, no fundo, é o principal objetivo da estratégia de vacinação neste momento”, sublinha.

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Subscrever Em relação a Portugal, e como têm vindo a registar os relatórios da Direção-Geral da Saúde e do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), há já uma subvariante a ganhar vantagem à BA.5, que é a BQ1.1, e neste momento a sua circulação na comunidade é da ordem dos 35%, mas até ao final do mês poderá chegar até aos 50%. Luís Graça destaca mesmo que em “outros países europeus, como em França, a sua representação já é bem mais elevada”.

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Taxa de circulação do vírus irá manter-se elevada Mas face ao aparecimento de tantas subvariantes este ano e a possíveis novas ameaças que a evolução do SARS-CoV-2 ainda pode trazer ao mundo, o imunologista considera que, independentemente do que se passar em África ou na Ásia, de onde vieram as últimas variantes, o que é importante, reforça, “é garantir que a população mais vulnerável está protegida, nomeadamente com a vacinação inicial e reforços, uma vez que está demonstrado que as vacinas continuam a ser um excelente instrumento contra doença grave e morte”.

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Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou o mundo, mais uma vez, para possíveis novas ameaças da mutação do vírus, já que foi detetado haver países que pararam a vacinação. Na altura, países africanos, como a Nigéria, foram citados como exemplo, mas o investigador principal do iMM mantém ao DN que, “independentemente do que se passar no exterior, e ao qual nós não estamos imunes, o vírus manterá uma elevada taxa de circulação no nosso país, não sendo expectável que esta taxa de circulação venha a desaparecer, logo é preciso que as pessoas mais suscetíveis a complicações com esta infeção tenham o máximo de proteção”.

Por outro lado, e do ponto de vista clínico, também já se sabe mais como lidar com a doença, pois ao longo destes dois anos foram sendo testadas várias terapêuticas, existindo agora “uma diversidade de medicamentos que oferecem uma boa efetividade no tratamento da doença”

Olhando para o mundo, a China continua a ser dos poucos países, senão mesmo o único, a manter uma política de eliminação da circulação do vírus, o que, diz Luís Graça, “é uma medida que, perante as variantes em circulação, seria inviável no nosso país ou em qualquer outro do mundo ocidental”. E isto porque o pensamento científico também mudou

“Inicialmente, quando o vírus em circulação era o original, acreditava-se que haveria a oportunidade de se trabalhar no sentido de se obter um impacto muito significativo na diminuição da sua circulação, sobretudo se se abrangesse uma grande parte da população com a vacinação, mas com o surgimento de novas variantes, cada uma com maior capacidade de transmissão do que a outra, isso não será possível.” Daí que “as estratégias de vacinação continuem a ser dirigidas sobretudo para a proteção das populações mais vulneráveis em relação à doença grave”.

Isto fez também com que o entusiasmo lançado precisamente há um ano em relação à investigação sobre as vacinas de quarta geração, dirigidas à transmissão, para se mitigar a circulação do vírus, e que poderiam chegar ao mercado a meio deste ano, também tivesse sido atenuado

O especialista em vacinas justifica: “Continua a haver investigação com novos formatos de vacinas e novas estratégias de vacinação que ainda podem ter um impacto maior na transmissibilidade, contudo o facto de terem surgido variantes com uma transmissibilidade muito elevada veio tornar este objetivo mais difícil, porque o que se alcançou foi a evidência de que as vacinas já existentes, apesar de não terem impacto na transmissibilidade, têm uma efetividade muito elevada na proteção contra doença grave.”

Desta forma, “tem sido possível manter a população vulnerável protegida”. “Estas vacinas, bem como algum desenvolvimento na terapêutica, têm permitido que pessoas com doenças imunitárias de base respondam melhor às consequências mais graves da infeção.” Por isso, confirma, “o facto de estas vacinas serem muitos eficientes contra a doença grave e óbitos, aliado à maior transmissibilidade das novas variantes, atenuou o entusiasmo quanto ao investimento em estratégias centradas nas vacinas que poderão atuar na transmissão predominantemente”

Esta semana Portugal ultrapassou os mais de 5,72 milhões de infeções por SARS-CoV-2. E, ao longo de quase três anos, o país tem seguido a estratégia definida no mundo ocidental e pela própria União Europeia no sentido de mitigar a transmissibilidade e as complicações da doença nas pessoas mais vulneráveis, mas foi dos poucos países, senão mesmo o único, que conseguiu alcançar a mais elevada adesão da população ao esquema vacinal primário e até de reforço, que já atingiu os 50% de cobertura na segunda dose de reforço da população elegível, acima dos 60 anos


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